quarta-feira, 4 de maio de 2011

História dos risos de Alan


Alan nasceu, cresceu e morreu. Incrível, não? Pelo menos o bendito cresceu, mas cresceu tão pouco, tão pouco que antes que os pêlos pudessem o demarcar como um corpo adolescente e masculino, ele “já era”. “Ah! o Alan”, falava a matrona vizinha, “um menino tão doce e com um talento pra música”, e tão minúsculo, tão alvo, tão frio aquele corpo. Alan cresceu por ali naquele bairro pobre e alegre, a vizinhança com música alta dia e noite com os sucessos das novelas, funk, rock, sertanejo, punk aos gauchescos. E a matrona contou o fato, que se verifica verossímil, pois o garoto cantava na igreja que os avôs e um casal de tios freqüentavam. Enquanto ele louvava ao Deus cristão, o pai preferia a cachaça e a mãe adorava saber de antemão o que de novo teria na novela das seis, os dois irmãos limpavam os catarros que escorriam de seus narizes e corriam pela estrada, caíam e faziam cicatrizes. Numa certa manhã de um certo dia, Alan foi a um certo teatro de arena com a família. O guri sentou na beirada, gargalhou do começo até perto do fim. Gargalhou muito, como nunca antes. Riu do personagem bêbado, e daquela outra gorda que aparecia para assustar a platéia, riu dos que tinham as orelhas grandes, e de toda aquela história. Alan esqueceu que rir da desgraça alheia era pecado, esqueceu do inferno, esqueceu do diabo! E só lembrou-se de Deus no fim, quando apareceu um velho de barbas brancas. O velho, a personagem que matou o palhaço. Estava quase no fim da peça, quase no fim. Rira muito até ali, até ali ele rira, e...Alan caiu,

morto.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Anotações, leituras e pontuamentos sobre o clown/palhaço

      A autora Alice Viveiros de Castro, em sua obra intitulada O elogio da bobagem, imagina que o clown possa ter surgido num tempo longínquo da história, em uma noite qualquer, ao redor de uma fogueira, quando, em uma conversa descontraída, um dos homens revive alguns momentos da grande caçada do dia, imitando de modo, exageradamente cômico, algumas características amedrontadas de um de seus companheiros, provocando em quem assistia um prazer de rir da vergonha alheia, “de rir de si mesmo ao rir dos outros” (CASTRO, 2005, p. 12).
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        O Clown ou o palhaço tem suas raízes na baixa comédia grega e romana, com seus tipos característicos, e nas apresentações da commedia dell’arte. Nas festividades religiosas e nas apresentações populares da Antigüidade, havia uma alternância entre o solene e o  grotesco. Esse é um fato comum a povos distintos: dos gregos até os aborígenes  da Nova Guiné, passando pelos europeus da Idade Média ou pelos lamaístas do Tibete (RUIZ, 1987, p. 15).
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        Palhaço vem do italiano paglia (palha), material usado no revestimento de colchões. Isto  porque a primitiva roupa deste cômico era feita do mesmo pano dos colchões: um  tecido grosso e listrado e afofada nas partes mais salientes do corpo, fazendo de quem a vestia um verdadeiro “colchão” ambulante, protegendo-o de suas constantes quedas. Assim, o palhaço é hoje um tipo que tenta fazer graça e divertir seu público por meio de suas extravagâncias; ao passo que o clown tenta ser sincero e honesto consigo mesmo (BURNIER, 2009, p. 205).
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         Na tradição do circo, o clown começava sendo um acrobata, malabarista ou trapezista, e depois, com o passar do tempo, não podendo mais realizar os números no mesmo nível de qualidade, ensinava-os a um jovem e tornava-se um clown.
          O clown exige também uma proeza, freqüentemente ao inverso da lógica; ele põe em desordem uma certa ordem e permite assim denunciar a ordem vigente: deixa cair o chapéu, vai apanhá-lo mas, desajeitadamente, dá-lhe um pontapé e, sem querer, pisa na bengala que lhe joga de volta o chapéu nas mãos. O clown erra onde não esperamos e acerta onde não esperamos. Se tentar um salto perigoso, cai, mas o executa quando lhe dão uma bofetada.
            O clown toma tudo ao pé da letra, em seu sentido imediato: quando a noite cai     (bum!) ele a procura no chão e nós rimos de seu lado idiota e ingênuo. Se alguém lhe manda tomar um ar ele quer segurá-lo com a mão. Todos pregam-lhe peças. Alguém o manda abaixar-se e olhar para os pés: ele se abaixa e leva um pontapé nos fundilhos; achando a piada "muito boa", vai passá-la a um terceiro personagem; este lhe pede para mostrar como fazê-lo e o clown recebe um novo pontapé deste novo personagem, que já conhecia a blague.
[In "Le Théâtre du geste", org. de Jacques Lecoq, Ed. Bordas, Paris, 1987, pág. 117. Tradução de Roberto Mallet].

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           Ele diz: eu vou ao circo para ver algo que é incrível. Minha relação com o circo é essa, eu vejo o cara fazendo e percebo que eu não conseguiria fazer aquilo. Ele está  demonstrando uma habilidade que eu não tenho. E eu vou ao teatro para ver algo que é crível. É o contrário. No teatro eu acredito (ficcionalmente, é claro) no que está acontecendo. Então, toda demonstração de habilidade no teatro me distancia, no sentido de eu observar aquilo como circo, ou seja, como algo que não tem sentido senão a demonstração da habilidade. [Barba citado por Mallet]